segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Como me tornei uma leitora.




Não há como negar e nem como não reconhecer o papel significativo que as letras ocuparam e ocupam um lugar em minha vida. Mesmo quando ainda não havia me apropriado da leitura alfabética, meu cotidiano, desde os sete anos de idade, era repleto de letras e desenhos das revistas em quadrinho com as quais brincava. Ou seja, nos primórdios de minha história de vida, travei contato com a escrita pictográfica, pois lia as histórias através das imagens.

Era uma vez uma meninazinha conhecida por todos como a menina que gostava de ler gibis, filha de pessoas humildes, morava numa pequena cidade chamada Barreiras. Lugar lindo, cidade maravilhosa, cheia de encantos mil como rios, cachoeiras e muita gente bonita. Sua família era constituída por pai, mãe e quatro irmãos. A pequena família vivia de uma renda obtida com os serviços do pai, que trabalhava como vigilante e sua mãe como costureira; os dois trabalhavam dia e noite para que não lhes faltasse o pão na mesa. A menina, chamada carinhosamente por todos de Fatinha, era muito curiosa e gostava de observar tudo à sua volta cuidadosamente. Adorava livros com muitas imagens, figuras coloridas, fotografias, revistas de moda, o que não faltava em sua casa, pois sua mãe confeccionava roupas. Como era a mais velha dos irmãos, sempre estava ajudando sua mãe a coser, fazendo os serviços de acabamento nas roupas. A sua mãe não teve oportunidade de ir à escola, portanto não tinha habilidades leitoras e nem tempo para. Mas nem por isso deixou de observar o quanto sua primogênita era fascinada pela leitura, que neste momento era apenas a de imagens que conseguia realizar. Passados alguns anos, ganhou de uma amiga uma revistinha em quadrinho da turma da Mônica e sua amiguinha como já dominava a leitura, começou a ler para ela; maravilhada e encantada com as histórias contadas pela amiga, guardou com muito carinho e cuidado sua revistinha. Todos os dias olhava e folheava a revista, sua mãe passou a observar o interesse da filha pela revistinha e começou a comprar algumas para que a menina pudesse ler e contar as histórias para os irmãos.Esta menininha cresceu e passou a comprar suas próprias revistinhas, tinha verdadeira compulsão por comprar revistas em quadrinho. Economizava suas moedinhas por alguns meses e, quebrado o cofrinho de vez, lá ia ela realizar investimentos na banca de revistas. Depois de ler as imagens dos gibis durante algumas semanas, recortava suas figuras e dava-lhes nova vida, brincando agora com as bonecas de pano. Ao recortar as figuras, passava, inconscientemente, para outra dimensão da leitura. A partir de sua nova realidade, libertas do enredo e do papel, suas personagens também ganhavam outras histórias e outras personagens. Muitas vezes, suas bonecas transfiguravam-se em princesas as quais casavam – se com lindos príncipes, moravam em reinos lindos rodeados por uma relva verdejante e seguiam felizes para sempre. Suas leituras também a motivavam a outras atividades. Num segundo nível de ludicidade, sentia nova compulsão. Agora por desenhar as princesas de que gostava. Ia, pois, da leitura à produção, sempre brincando sozinha ou com seus irmãos e todos na companhia dos reis rainhas e princesas.
Aproveitou bem a escola para conhecer melhor as histórias dos seus gibis.
Tempos depois, a meninazinha leitora de gibis começou a se interessar por outros livros que contava histórias sobre menino e menina que se apaixonavam e queriam se casar ter filhos, daí então perturbou mais ainda sua curiosidade e instintos. Eram livros de romance.
 Rapidamente, tomou a decisão de encapá-lo com papel fosco, para não despertar a curiosidade de mais ninguém em sua casa. Parecia algo proibido, cujo conteúdo mereceria longos momentos de pesquisa, e esta não poderia ser interrompida pelos pudores dos adultos.

Passou longas semanas a ler e reler suas histórias. É importante ressaltar que as revistas eram mais espessas que os gibis, e não possuía gravuras, além da foto da capa, que teve de inutilizar para poder lê-lo com certa tranqüilidade. Leu, contudo, incontáveis vezes. Seus enredos as levaram a lugares nunca antes imaginados. Uma história de traição, uma história romântica entre três adolescentes, uma louca aventura na selva.

Aprendeu muitas palavras novas, cujo significado teve de desvendar sozinha, pois não havia a quem perguntar e não  parecia conveniente perguntá-las aos mais velhos. Seus colegas também não saberiam ajudá - La. Conheceu então um livro que era cheio de palavras, parecendo uma lista dessas que você utiliza para ir ao mercado, é... A meninazinha foi apresentada ao dicionário, sim um desses livros que dá o significado das palavras e, depois de muitas pesquisas frustradas, percebia para que serviam aquelas palavrinhas no topo das páginas. Guiando-se por elas, ampliou bastante seu vocabulário, embora não pudesse utilizar em suas redações escolares a maioria daquelas novas palavras.

Tornou-se uma leitora assídua. Passou a ler os livros didáticos de seus irmãos, revistas, livros de esoterismo, revistas de piadas. Até que, finalmente, foi apresentada à Literatura infantil e infanto-juvenil. Convenceu seus pais a comprarem uma coleção que um vendedor de livros levou a sua casa. Eram três volumes. O primeiro trazia contos de fada, histórias do folclore brasileiro, histórias dos irmãos Grimm e de Hans Christian Andersen. O segundo volume trazia As Aventuras de Gulliver. E o terceiro, as Viagens de Marco Polo. Leu e releu esta coleção, quando conheceu o Pequeno Príncipe. Adorava descobrir, a cada leitura, outras formas de entender o que estava escrito ou algo que não havia percebido na leitura anterior.

Na verdade, aquela meninazinha nunca mais parou de ler e até hoje continua lendo e conhecendo grandes escritores como Machado de Assis, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Morais, Álvares de Azevedo, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Maria Clara Machado, Cecília Meirelles, Salmo Dansa... Talvez não tenha percorrido o caminho convencional do “bom leitor”, mas o caminho que seguiu construiu sua visão das coisas, seus valores, e, sobretudo, seu prazer pela leitura, uma leitura que aprendeu sem preconceitos, ou tabus, uma leitura que aprendeu sem limitações de conteúdos ou estilos, uma leitura que aprendeu sem imposições obrigações de ler isto ou aquilo, pois foi o caminho que trilhou pela própria vontade de trilhar. Assim tornou-se uma leitora e até hoje continua transformando pequenos sabedores e curiosos de imagens, em leitores apaixonados, não apenas por imagens como também por letras, que formam pequenos e grandes textos e muito se orgulha disto. Ah! E os gibis? Onde ficaram?Continuam fazendo parte do acervo literário daquela meninazinha. Hoje também sendo compartilhados com seus filhos e com certeza seus futuros netos!